segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Texto sobre o papel das Câmaras de Vereadores

Câmaras Municipais e a consolidação da democracia.

O debate sobre o papel dado às Câmaras de Vereadores voltou à tona no ano de 2008, não apenas por ser um ano eleitoral, mas também pela tramitação da PEC dos vereadores que propõe aumentar o número de edis em quase 8 mil no país, reduzindo os repasses municipais às Câmaras, que varia de 2,5% a 4,5%, de acordo com o tamanho das cidades. Sempre com uma retórica conservadora, parte dos meios de comunicação deu ampla cobertura a este tema ao exaltar a redução de repasses e condenar o aumento de cadeiras. No entanto, este não deve ser o centro do debate; a questão a ser refletida é sobre o real papel das Câmaras de Vereadores para o povo que vive nas cidades, em especial nas cidades de pequeno-médio porte.

Para o pensador iluminista Montesquieu, o Estado deve se dividir em três poderes independentes e harmônicos entre si. Executivo, com a função de executar as leis, Legislativo, responsável por elaborar as leis e Judiciário com a missão de punir os transgressores às leis, formam a visão clássica do Estado Moderno. Para a Constituição Brasileira de 1988, o poder legislativo ganhou outras atribuições, como a de órgão fiscalizador do Poder Executivo (e para isso foram criados os Tribunais de Contas como órgão auxiliar dos diversos legislativos brasileiros), espaço de assessoramento ao Executivo e, creio ser o principal espaço de representação social e debates sobre políticas públicas e análise dos impactos das mesmas no conjunto da população.

Histórico das Câmaras Municipais

Este texto não tem a pretensão de fazer uma análise do parlamento brasileiro, mas contribuir com o debate sobre os legislativos municipais. Para tanto, não podemos iniciar nossa reflexão sem antes fazer um resgate histórico do processo de formação do sistema político brasileiro e, principalmente, dos municípios tupiniquins.

As Câmaras Municipais começam a existir em 1532 quando São Vicente é elevada a categoria de vila. Durante todo Brasil Colônia, só possuíam Câmaras, as localidades que tinham estatuto de vila dado pelo Reino de Portugal. As Câmaras locais cumpriam todas as funções do Estado: cobravam impostos, zelavam pelo patrimônio público, criavam e gerenciavam as prisões, idêntico ao modelo de organização dos municípios portugueses vigente até hoje.

Após a Independência do Brasil, o Império diminui o papel das Câmaras centralizando o poder através da Constituição de 1824, confeccionada por meio de arbítrios e imposição da força. A CF de 1824 fixou o mandato do vereador em quatro anos, sendo o mais votado aquele que assumiria a presidência da Câmara.

Com o processo de Proclamação da República, as Câmaras são dissolvidas, passando aos governos estaduais a nomeação dos conselheiros de intendência. Com a retomada das Câmaras, com seus vereadores sendo eleitos pelo povo, o presidente da Câmara assume o poder de Intendente até 1905, quando os poderes são separados entre executivo e legislativo. A partir da Era Vargas, as Intendências foram nomeadas prefeituras e com a Constituição de 1934, o prefeito é eleito pelo voto direto, com exceção dos períodos de ditadura militar.

A crise de representatividade do parlamento

O sistema político-eleitoral brasileiro precisa ser revisto. Torná-lo mais democrático e participativo deve ser um princípio da Reforma Política que tanto se propaga necessária, mas sem acúmulo, até mesmo dentro do PT. Para chegarmos ao objetivo comum de todas as propostas de reforma, é necessário fortalecer os partidos políticos como correntes de pensamento e representativas da sociedade. Em Queimados/RJ, por exemplo, o conjunto de vereadores eleitos corresponde a apenas 24% do total de votos válidos em relação ao prefeito eleito, pouco mais de 50% dos votos. Este resultado, por si só, representa a discrepância entre os poderes.

As Câmaras Municipais em sua maioria reproduzem, ou até pioram, os exemplos passados pelo Congresso Nacional. Parlamentares sem identificação ideológica partidária, com baixa representatividade popular, com parcos conhecimentos de suas funções, são exemplos corriqueiros dos parlamentos locais brasileiros. Ao lado desta situação, temos o senso comum que atribui ao vereador apenas a função de assessoramento do prefeito. O vereador torna-se um despachante de luxo, onde os munícipes levam seus problemas e esperam tê-los resolvidos. Se o parlamentar está de bem como o prefeito e a benesse ocorre, ele é bom, representa o povo, se o edil é oposição e sua indicação não é atendida, ele é sem poder e representatividade. Não à toa que, cerca de 70% dos cidadãos da cidade de Taubaté/SP, acreditam que a Câmara Municipal é um órgão da prefeitura.

Pelo senso comum, no parlamento local não é permitido o debate ideológico. Ele se restringe a discussão dos problemas da cidade, a sessão plenária das Câmaras deve ser pura e simplesmente como uma reunião de condomínio para se reclamar do síndico. Sem contar no período eleitoral municipal em que o debate gira em torno da eleição majoritária. Aos candidatos a prefeito, indaga-se o programa defendido, ocorrem debates oficiais nas igrejas, nas esquinas, nos bares, nas escolas, entre outros espaços. Ao candidato a vereador, o senso comum nem de sua história quer saber. São recorrentes os casos em que um prefeito é eleito com ampla base social, mas em minoria no parlamento.

A força da mídia conservadora em divulgar as mazelas, tão somente as mazelas, do poder legislativo, a falta ou total distinção de grande parte dos parlamentares do que é público ou privado, somados a percepção imediatista da população, muito por conta do histórico “executor” das Câmaras Municipais, criam um clima propício ao debate sobre o papel das casas legislativas chegando, quase sempre, a conclusão de sua não necessidade de existir. Numa crítica progressista, muitos propagam que os conselhos setoriais cumprem a função de fiscalização do executivo, que com o avanço de novas tecnologias, em especial a Internet, o povo poderia emitir sua opinião sobre os temas propostos pelo prefeito de forma direta, sem intermediários, que com a criação de Ouvidorias, do Orçamento Participativo e de outras ferramentas, os vereadores deixariam de desempenhar seu papel, que é de ser o “canal” entre o povo e o prefeito, claramente numa perspectiva de subordinação do poder legislativo ao poder executivo.

A PEC dos vereadores e o aprofundamento da crise.

Vista como uma resposta da Câmara dos Deputados à ofensiva crítica da mídia ao parlamento federal, a PEC 333/08, conhecida como a PEC dos vereadores, propõe aumentar em quase 8 mil cadeiras as Câmaras Municipais, diminuindo o piso e o teto de repasse do Tesouro Municipal às Casas legislativas locais, de 5 a 8% atualmente, para 2,5 a 4,5%. No entanto, no Senado Federal, além de desmembrada em duas propostas, o percentual de repasse foi alterado, passando a 3,5 a 7%, respectivamente piso e teto.

A partir de uma visão provinciana e oportunista, os membros do Congresso Nacional subjulgam o trabalho dos parlamentos locais, a partir do momento que acrescentam o número de edis pelo Brasil e diminuem os repasses. Ora, se nos atuais patamares, Câmaras Municipais como a de Queimados/RJ, têm grande dificuldade para exercer seu papel fiscalizatório, sem recursos para contratação de pessoal qualificado que execute o pleno funcionamento das comissões temáticas ou especiais, exercerá sua função com mais oito vereadores (atualmente são onze) e menos quase 20% do repasse global? Não existirá enquanto poder independente, fiscalizador, assessor e formulador de regras para a sociedade. O que ocorrerá serão militantes ou cabos eleitorais de luxo, com salários razoáveis à procura de algum político “figurão” para apoiar.
Aprovada esta PEC, os parlamentares de esquerda, ou com algum viés de contestação dos atos do prefeito, serão cada vez mais raros pelo país. Aqueles que já são das bases de governos, assim continuarão de maneira mais dependente, pois não terão na Câmara espaços suficientes para tocarem seus mandatos. Já os parlamentares com outro perfil, ou entram para o bloco de sustentação ao governo ou terão grandes dificuldades para realizarem seus mandatos.

Cabe ressaltar que em recente pesquisa publicada no livro Reforma Política e Cidadania (FPA-2003) feita pelo vereador de Taubaté, professor Joffre Neto, 68% das Câmaras Municipais brasileiras tem maioria governista e, pasmem, em 49% das cidades pesquisadas não há vereador de oposição ao chefe do poder executivo local. Mais ainda, apenas 13% das Câmaras Municipais têm assessoria técnica e quase ¼ delas sobrevivem com funcionários cedidos das prefeituras. Sem dúvidas, um quadro de preocupação, pois na maioria das cidades brasileiras o conceito pensado por Montesquieu dos três poderes independes, harmônicos e complementares entre si não existe.

Saídas para a crise política e representativa

Por vezes, os partidos políticos têm culpa sobre o quadro de desolação que vivem nossas Câmaras municipais. Não há formação política, identificação ideológica, envolvimento partidário, dentre outros problemas. No entanto, está na estrutura da própria Câmara o ponta - pé inicial para resolver estes problemas.

Socialista de formação, compreendo que as Câmaras de Vereadores devem cumprir um papel para além de suas funções constitucionais. O parlamento local deve ser o espaço onde a maioria das correntes de pensamento da cidade se reúne para discutir os rumos do município. De forma democrática e dialética, a população tenha voz e vez. Por isso, acredito que algumas medidas, combinadas com uma reforma política que amplie e reafirme os valores democráticos devem ser tomadas.

Aprofundar os mecanismos de democratização das Câmaras Municipais é de fundamental importância para modificar a realidade de apatia que as mesmas vivem. Estreitar as relações com os Conselhos Municipais como uma via de mão dupla, fornecendo informações importantes que os vereadores têm acesso e obtendo dados de como estão os serviços podem contribuir para melhoria da atividade fiscalizatória.

A participação efetiva dos vereadores nas Conferências setoriais, o diálogo entre esses espaços com o público plural e diverso que as mesmas proporcionam, aperfeiçoa e muito a ação de legisladores a partir do debate temático.

A abertura das Casas Legislativas aos movimentos sociais é outra necessidade. São os movimentos organizados que mobilizam a sociedade em busca de transformações. Muitas vezes, ao não encontrar retorno do poder público, o movimento tende a se enfraquecer. As Câmaras devem ser a casa aonde as reivindicações chegam e sejam fruto de discussão.

Na discussão da LDO, as experiências de Câmaras itinerantes são exitosas. Visitando bairro a bairro, debatendo com as associações locais, incentivando a organização popular e dando voz às demandas locais.

Com uma política de comunicação eficiente, tornar o parlamento local um espaço com ações transparentes, formar parcerias com jornais locais, rádios comunitárias, prestação de contas periódica, bem como incentivar a criação de sites institucionais são possibilidades reais de aproximar a população do trabalho dos vereadores.

No entanto, essas medidas simples, por si só, não representam mudança efetiva na percepção popular do papel do parlamentar local. É fundamental uma reforma política profunda, que não reze apenas por eleições, mas também pelo sentimento de representatividade, de pertencimento da população àquele espaço institucional, do fortalecimento das questões ideológicas e partidárias que leve à sociedade brasileira o debate sobre o papel do parlamento na recente democracia no Brasil.

Elton Teixeira, 26 anos, estudante de jornalismo, vereador pelo PT da cidade de Queimados/RJ



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